facebook
twitter
youtube
instagram
cartaicon
image-982
abrasme
abrasmelogorodape
image-542
0

facebook
twitter
youtube
instagram

Nota de Repúdio à criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas

26/01/2023 12:00

Equipe ABRASME

Notícias, Incidências,

Nota de Repúdio à criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas

Leia a nota completa da ABRASME

Por um cuidado em liberdade e pelo respeito aos Direitos Humanos e ao Sistema Único de Saúde

 

REPÚDIO à criação do departamento de apoio às comunidades terapêuticas

 

       A Associação Brasileira de Saúde Mental registra publicamente sua indignação com a criação do departamento de apoio às comunidades terapêuticas (CTs) pelo Ministério do desenvolvimento, assistência social, família e combate à fome.

       Após um processo de transição marcado pela escuta dos movimentos sociais, e uma proposta de construção dialogada de uma política que efetivamente cuide da população brasileira, é paradoxal que seja criado um departamento cuja função específica é dar apoio a um dispositivo asilar como as chamadas comunidades terapêuticas que, nos últimos anos, tem sido alvo de diversas inspeções que produziram relatórios apontando graves violações de direitos humanos.

       Historicamente o Movimento Antimanicomial, do qual a ABRASME faz parte e, os princípios da Reforma Psiquiátrica são balizados pela defesa do cuidado em liberdade, que contemple a integralidade e a equidade através das redes de atenção psicossocial (RAPS). No âmbito do cuidado às pessoas que usam drogas existe instituída desde a portaria 3088/2011 (atualização da 224/1992) uma rede composta por serviços como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD III, portaria 130/2012), os Consultórios na Rua (portaria 122/2011), as Unidades de Acolhimento para adultos e jovens ( portaria 121/2012), Unidades Básicas de Saúde, bem como os serviços que compõem a rede de Urgência/Emergência e Atenção Hospitalar (port. 148/2012), entre outras estratégias que contemplem a complexidade de ações envolvendo trabalho/geração de renda, cultura entre outras experiências que apresentam resultados significativos na inclusão social e acolhimento das pessoas que necessitam de cuidado pelo uso de drogas.

       O 49° Conselho Diretivo da Organização Panamericana de Saúde (OPAS/OMS) aprovou em 2009 a Estratégia e Plano de Ação em Saúde Mental, pela qual a promoção da atenção à saúde mental deve ser universal e igualitária para toda a população, por meio do fortalecimento dos serviços de saúde mental dentro dos marcos de sistemas baseados na atenção primária e de redes de fornecimento integrado e em atividades contínuas para eliminar o antigo modelo centrado em hospitais psiquiátricos, ou seja, no modelo que seja baseado no isolamento das pessoas de suas redes de convívio social e obedeçam uma lógica disciplinar e hierarquizada não respeitando a singularidade do sujeito em sofrimento.

       Nos últimos quatro anos observou-se um aumento exponencial do financiamento das comunidades terapêuticas em detrimento do significativo número de denúncias de violação de direitos e duas inspeções nacionais que apresentaram de forma explícita a realidade cruel destas instituições. A forte pressão lobista destas geraram uma relação pouco clara entre as comunidades terapêuticas e setores parlamentares além da inexistência de transparência das formas e fontes de financiamento, seja no legislativo (emendas parlamentares) ou no executivo, em geral à margem dos sistemas de controle social do SUS e SUAS.

       Em paralelo ao fomento destas instituições, em sua maioria privadas e filantrópicas de natureza religiosa confessional, também observou-se um crescente desfinanciamento das redes de atenção psicossocial e mais intensamente das estruturas para cuidado às pessoas em uso de drogas. Da mesma forma foi imposto na política de drogas um sistema de tratamento cuja abstinência era a única meta, desconsiderando a redução de danos, reconhecida internacionalmente como uma lógica efetiva de acesso ao cuidado e inclusão dos sujeitos na sociedade. Deste modo, foi criada uma imensa lacuna de cobertura assistencial que teve como principal dano a restrição de acesso ao cuidado e como principais beneficiados os donos de comunidades terapêuticas, estruturadas sob a égide do estigma historicamente construído de exclusão e aprisionamento dos que fogem ao padrão social (tenham ou não necessidade de cuidado). Assim, ampliaram seus recursos financeiros através do financiamento público e seu poder de influência política no parlamento e no governo. Apoiadas pelo então governo deixaram a margem a participação social pela total desconsideração às estruturas de controle social SUS e SUAS. Este processo foi mantido sem transparência pelo apagão de dados promovido pelo governo Bolsonaro.

       Sobre as CTs o Conselho Nacional de Assistência Social se pronuncia em parecer em 22/07/20221:

 

“(...)as comunidades terapêuticas e as entidades que atuam na redução da demanda por drogas não integram o Sistema Único de Assistência Social e as ações realizadas com esse objetivo não são consideradas como serviços, programas e ou projetos socioassistenciais. Consequentemente, não podem ser inscritas nos Conselhos de Assistência Social dos municípios ou do Distrito Federal, com essa oferta. Dessa forma, tais organizações não devem ser confundidas com Organizações da Sociedade Civil (OSCs) da política de assistência social, caracterizadas nos termos da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS e da regulamentação pertinente, já citada. Diante do exposto, este Conselho Nacional de Assistência Social orienta que os Conselhos Municipais ou do Distrito Federal que já inscreveram essas entidades com o referido serviço devem cancelar as inscrições”. (CNAS,P.4)

 

       Este retrato, detalhadamente exposto às equipes de transição, foi radicalmente ignorado pelo governo representado aqui pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à fome. Além de não estabelecer um diálogo com a sociedade civil de forma ampla e com os movimentos sociais que sustentaram o acesso ao cuidado público, territorial e em liberdade apesar de perseguições e precarização de serviços. Este ministério optou pelo privilégio da incidência direta dos empresários ligados às comunidades terapêuticas. Na contramão do discurso oficial de construção coletiva e do respeito às evidências científicas e dos pronunciamentos prévios do controle social, o referido Ministério optou pela recepção da demanda do empresariado que utiliza a saúde como lucro que se utiliza do sofrimento das pessoas em uso de drogas e de suas famílias, como forma de afirmar sua lógica privatista de compra de leitos já vivenciada nas décadas de 60, 70 e 80 antes do Sistema Único de Saúde, a atual ‘indústria da loucura’ para aqueles que usam drogas. É impressionante que o financiamento das Comunidades terapêuticas tenha sido já em 2021 maior que de todo o financiamento das redes de CAPS AD no país e equivale a 50% do total destinado a toda a rede de atenção psicossocial/RAPS do Brasil. E que, já nos primeiros dias do novo governo, já esteja anunciado uma ampla estrutura e o financiamento para 2023 para as comunidades terapêuticas via SENAPRED.

       A esperança do cuidado, do amor, do diálogo e respeito aos Direitos Humanos ter vencido o preconceito, a lógica de pessoas como mercadoria e a subserviência ao poder do capital PRECISA SER AFIRMADA EM ATOS. A criação do departamento de apoio às comunidades terapêuticas é a contramão desse compromisso.

       A ABRASME reafirma sua indignação a esta ação do Ministério do Desenvolvimento Assistência Social, Família e Combate à Fome reivindicando que sejam cumpridos os compromissos com os movimentos sociais, em específico à saúde mental antimanicomial de cuidado às pessoas em sofrimento psíquico e aquelas em uso de drogas EM LIBERDADE.

       A Abrasme vem priorizando o fortalecimento dos conselhos de participação e controle social, em relação ao novo departamento a Abrasme propôs ao CNDH a Recomendação publicada sobre o número 2 de 24/01/2023 que recomenda a realização de uma auditoria e fiscalização nacional em todos contratos da antiga SENAPRED e está construindo como membro da CISM/CNS uma recomendação pedindo a revogação do decreto n. 11.392 de 20/01/2023.

       

Relatórios e inspeções sobre as condições de comunidades terapêuticas nos últimos anos para acesso rápido:

1. em: Relatório da Inspeção Nacional das Comunidades terapêuticas. 2017. Disponível https://site.cfp.org.br/publicacao/relatorio-da-inspecao-nacional-emcomunidades-terapeuticas/

2. Dossiê Relatório de inspeção das comunidades terapêuticas no estado de São Paulo: Mapeamento das violações de direitos.2016. Disponível em: http://fileserver.idpc.net/library/dossie_relatorio_crpsp.pdf

3. Ministério Público do estado do Rio de Janeiro. Diretriz técnica. Fiscalização de Comunidades terapêuticas 2020. https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1999874/22Fiscaliza%C3%A7%C3%A3o+em+Comunidades+Terap%C3%AAuticas.pdf

Notícias denunciando violação de direitos humanos em comunidades terapêuticas:

1. Denúncias veiculadas no Fantástico (Rede Globo) em 2022: https://youtu.be/rTfTH07gHI

2. Reportagem sobre violação de direitos em comunidade terapêutica e partir de fundamentalismo religioso:

https://marcozero.org/igreja-radio-e-comunidadeterapeutica-o-fundamentalismo-religioso-por-tras-do-casal-tercio/

 

COMUNIDADE TERAPÊUTICA NÃO É SERVIÇO DE SAÚDE

NÃO AO DEPARTAMENTO DE APOIO ÀS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

PELO RESPEITO AO CONTROLE SOCIAL DO SUS E SUAS

EM DEFESA DA RAPS

 

Vários estados, 24 de janeiro de 2023

Associação Brasileira de Saúde Mental/ABRASME

 

 

Nota completa para download

incidência-abrasme-(32).png
siteo-logog