Breve Comentário: A Lei nº 13.844(1) e a afirmação da perda de protagonismo da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas A Lei 13.844 cristaliza uma concepção de governo, uma visão de gestão pública, onde a participação social, os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, são relegados a segundo/terceiro plano ou diretamente extintos. A atual lei é fruto da Medida Provisória 870/2019 que apresentou ao país a perspectiva de organização do governo e suas prioridades na gestão pública. Depois, de tramitação no Congresso Nacional, e centenas de contribuições ao texto, ela foi aprovada, com diversas modificações, e enviada ao Governo. A Lei sancionada ataca os direitos indígenas, mantém a extinção do CONSEA, do Ministério do Trabalho e reafirma o papel do "super" Ministério da Cidadania. No Art. 23 a nova Lei coloca sobre o guarda chuva do Ministério da Cidadania, toda a política cultural, de esporte, assistência social, segurança alimentar e nutricional, direitos autorais, programas de transferência de renda, partes da reforma agrária e apoio as comunidades quilombolas, cooperativismo e associativismo urbano, política nacional de renda, Sistema S e economia solidária. A diversidade de temas e de políticas públicas permite chamar de "super-ministério". Agora, uma leitura atenta acerca da Lei e de seu Art. 23 coloca em evidência, uma das atribuições que ganhou detalhamento, a única por sinal, que é a política de drogas. Da qual, o Ministro recentemente fez um forte trabalho de pressão sobre o Senado Federal para aprovar a Lei 13.840 de 2019 (2), de sua autoria. "No Art. 23. Constituem áreas de competência do Ministério da Cidadania: V - políticas sobre drogas, relativas a:a) educação, informação e capacitação para ação efetiva com vistas à redução do uso indevido de drogas lícitas e ilícitas;b) realização de campanhas de prevenção do uso indevido de drogas lícitas e ilícitas;c) implantação e implementação de rede integrada para pessoas com transtornos decorrentes do consumo de substâncias psicoativas;d) avaliação e acompanhamento de tratamentos e de iniciativas terapêuticas;e) redução das consequências sociais e de saúde decorrentes do uso indevido de drogas lícitas e ilícitas; ef) manutenção e atualização do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas"; Mas, esse detalhamento, a ida do ex-coordenador de saúde mental Quirino para a Secretaria Nacional de Prevenção, e o protagonismo exercido pelo Ministro, em aliança com a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e Federações e Confederações das Comunidades Terapêuticas, na aprovação da nova legislação de drogas e nos novos editais lançados, tiveram também um efeito prático, um deslocamento de centralidades na construção e execução da política de álcool e outras drogas. A Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde que historicamente sempre foi o centro dos debates e estruturação das políticas públicas de álcool e outras drogas, teve seu papel totalmente marginalizado. A atual coordenadora da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, Maria Dilma Alves Teodoro, só tomou posse em 25 de fevereiro de 2019 e sua presença é totalmente opaca em relação aos rumos das políticas públicas do setor. A sua participação na Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos realizado em 09/05/2019 na Câmara dos Deputados deixa muito claro essa percepção(3). Nessa perspectiva, da perda de centralidade da Coordenação Nacional, no detalhamento das competências do Ministério da Cidadania dois pontos chamam atenção:d) avaliação e acompanhamento de tratamentos e de iniciativas terapêuticas;e) redução das consequências sociais e de saúde decorrentes do uso indevido de drogas lícitas e ilícitas; Em minha opinião, esse deslocamento é parte de uma estratégia, de avançar com a contrarreforma psiquiátrica, se deslocando da esfera da saúde, onde a legislação, as regulações e o controle social (conselhos) estão estruturados em todo o país. Facilitando que uma nova política pública baseada na indústria de leitos privados e no isolamento e exclusão social se consolide, com baixa ou nenhuma regulamentação e sem controle social (vejam os principais pontos que foram vetados na nova lei)(4). Leonardo Pinho - Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos e Vice Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) Notas:1. Lei 13844: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13844.htm e Razões do Veto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-254.htm;2. https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/com-foco-em-abstinencia-governo-quer-financiar-20-mil-vagas-em-comunidades-terapeuticas,2ba85b5b5686f614eabef1f85ed5f569k6lluk12.html3. http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/exibeaudio.asp?codGravacao=77037&hrInicio=2019,5,9,10,27,43&hrFim=2019,5,9,10,27,43&descEvento=Comiss%C3%A3o%20de%20Direitos%20Humanos%20e%20Minorias%20-%20Audi%C3%AAnci...&diffDataFinal=101&ultimoElemento=false4. https://site.cfp.org.br/nova-lei-de-drogas-e-seus-vetos-industria-de-leitos-privados-e-menos-transparencia/